quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Todo candidato garante que é capaz de criar o reino de Deus na Terra


O abadiaemfoco, tendo em vista as próximas eleições, vem mais uma vez falar sobre política. Agora refletindo sobre o texto (de João Paulo) abaixo, onde teremos uma noção real da política em sua natureza existencial. Um belo texto, não deixem de ler pois é muito elucidativo.


Utopia e roupa branca

"O momento não podia ser melhor: os políticos estão em baixa e as eleições estão chegando. A contradição é excelente, porque mostra que as pessoas são menos importantes que a ideia de democracia. Os candidatos já estão em campanha e, como sempre, pensam que o público é apenas um consumidor: vendem-se, como um produto qualquer, sabão em barra, por exemplo.

E por falar em sabão, você sabe de onde vem a palavra candidato? Vem do latim e quer dizer manto branco, toga branca ou algo semelhante. O que se esperava, quando a democracia vivia seus primeiros momentos, é que os candidatos fossem limpos como suas vestes. Hoje, pelo visto, nem o sabão da propaganda dá conta de limpar a barra.

Mas eleição é assunto que merece cuidado e atenção. Não apenas pelo fato de implicar na escolha dos dirigentes públicos. O que está em jogo é um modelo de mundo. Para avaliar quem merece voto, existem muitos métodos, desde os ideológicos – se os candidatos são conservadores ou progressistas, de direita ou de esquerda, populares ou aristocráticos – até os mais pessoais.

Quero propor outro jeito de escolher o melhor candidato, já que pela brancura da roupa não é mais possível. O método deixa de lado a propaganda política - todas são mentirosas por natureza, já que trocam a cidadania pelo consumo – para se concentrar em outros elementos menos tangíveis e, talvez, mais verdadeiros.

Em primeiro lugar, o teste de honestidade. O que deveria ser o mínimo, em alguns momentos, se torna qualidade. Por isso, desconfie de quem se diz honesto. Há coisas que não precisam ser ditas. O instrumento de aferição pode ser mais prosaico: você confia nas pessoas que estão próximas ao candidato? Certamente serão elas que ajudarão a governar e terão o dinheiro na mão.

O segundo indicativo do bom voto é o olhar em retrospecto. Todo candidato garante que é capaz de criar o reino de Deus na Terra. Mas nas oportunidades que tiveram de fazer bem menos, como oferecer escolas de qualidade, guardas nas esquinas e postos de saúde com gente atenciosa para acolher quem sofre, o que deixaram como realização? O instrumento aqui não pode ser também a propaganda, mas a experiência real. Você está feliz com a cidade que tem?
O terceiro degrau é mais sutil: o candidato gosta de gente? Parece fácil responder a essa dúvida, mas não é. Gente é um bicho complicado, chato, exigente, cheio de carências, como eu e você. Porém, infelizmente, é a nossa raça. Quem gosta de gente tem prazer em ver as pessoas se divertindo na rua, acha que a praça é do povo como o céu é do avião. Quem não gosta proíbe, cria normas, espalha os ajuntamentos, esconde a divergência, manda a polícia baixar o cacete.

O quarto nível é mais viajandão: o bom voto deve ser dado a pessoas boas. Acredito, com todas as forças, que a competência não é o avesso da bondade. A melhor forma de administrar qualquer coisa, de uma casa a uma cidade, é espelhar respeito e afeto nas relações humanas. Não precisamos apenas de um bom administrador, mas de um administrador bom. Por isso, a dica é se colocar a seguinte questão: qual candidato você escolheria para ser seu chefe? O coração não se engana.

Por fim, o quinto elemento: a utopia. A palavra anda em baixa, tem gente que até já a enterrou junto com as pedras do Muro de Berlim. Para esses, o mundo já achou o rumo e tudo agora é só questão de grana e tempo. Quanto mais ricos, mais justos. Sabemos que não é assim. E por isso temos que escolher para governar gente capaz de sonhar.

Vou dar alguns exemplos de sonhos que precisam ser construídos coletivamente a partir de agora: freio na especulação imobiliária, que entope as ruas de carros e esconde o céu; praças que se pareçam quintais de casas, e não outdoors de quem faz comércio com a saúde ou esburaca montanhas; metrô confortável e cheiroso para todos os bairros; restaurantes populares com comida igual a que minha avó fazia; segurança que não cause medo em quem precisa ser protegido; incentivo à arte que brota de todos os quadrantes da cidade, em sua variedade e invenção; escolas públicas que sejam vanguarda em matéria de conhecimento e convivência; campos de futebol de grama e com iluminação em todas as regiões da cidade, ao lado de quadras esportivas, piscinas limpas e bons vestiários para que ninguém precise ser sócio de clubes para se divertir; bibliotecas com livros, jornais, revistas, DVDs e computadores, de fácil acesso e atualizadas todos os dias; professores com salários iguais ao do prefeito; solidariedade a todos os movimentos sociais, inclusive com creches, para que os manifestantes e grevistas possam deixar suas crianças durante os protestos contra a própria prefeitura.

Meu manual do bom candidato é esse. Pode não ser o mais politizado no sentido tradicional e talvez seja um tanto fluido, mas vale recapitular. O candidato deve ser honesto, competente, popular, bom caráter e sonhador. Tem algum assim por perto?
Agora é com você. "

*João Paulo não é candidato a nada

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