segunda-feira, 6 de maio de 2013

Fazendeiros dizem que Funai cria índios para `roubar´ terras


Matéria estampada no jornal "O Tempo" de 05/05/2013 (domingo)
Resgate. Para o cacique Glayson, há provas da presença de índios antes da chegada dos fazendeiros
Pompéu e Martinho Campos. A recente delimitação da reserva indígena Caxixó, nos municípios de Martinho Campos e Pompéu, no Centro-Oeste de Minas, coloca em lados opostos 40 fazendeiros da região e cerca de cem trabalhadores rurais já reconhecidos como indígenas, mas que ainda enfrentam o desafio de resgatar uma cultura que nem mesmo seus antepassados conheciam.

Em 26 de março, a Fundação Nacional do Índio (Funai) delimitou 5.411 hectares como reserva indígena - área equivalente ao tamanho de 19 parques dos Mangabeiras. Para ser oficializada, a reserva precisa da demarcação, por parte do Ministério da Justiça, e homologação da presidente Dilma Rousseff. Se isso ocorrer, os produtores rurais vão perder as terras sem direito a indenização.

Enquanto isso não acontece, fazendeiros que estão prestes a perder suas terras reclamam que nunca houve índio na região e que o reconhecimento como tribo é uma opção dos moradores do povoado, conhecido como Capão do Zezinho, para conseguir o terreno. "Se eles são índios, os avôs deles morreram sem saber que eram. Convivi com eles e, quando criança, brincava com os que, hoje, consideram-se índios. Naquela época, não se falava de caxixó", diz Álvaro Campos, um dos proprietários da fazenda São José, que está na área da reserva.

O mesmo entendimento tem o prefeito de Pompéu, Joaquim Reis (PPS). "A Funai fabricou essa tribo. Tenho 49 anos de cidade e nunca se falou de índio aqui. Sou totalmente a favor da demarcação de terra indígena, mas onde existe índio", afirmou.

O cacique da tribo, Glayson Caxixó, nega que o reconhecimento indígena seja apenas uma estratégia para conseguir terras. Ele argumenta que os costumes dos caxixós foram se perdendo com o tempo, em função da dominação dos fazendeiros. "Os brancos não deixaram preservar a cultura indígena e isso se perdeu, mesmo na cultura oral. Agora, a gente tenta resgatar nossa história", afirma o líder indígena, ressaltando a existência de 15 sítios arqueológicos que comprovariam a presença dos caxixós no local.

Resistência. Apesar do reconhecimento da tribo em 2001, pela Funai, a população de Pompéu e de Martinho Campos reforço o coro dos fazendeiros afetados e ainda não reconhece o povo do Capão do Zezinho como indígena. Há indisposição com a denominação inclusive entre os próprios moradores da aldeia. A reportagem de O TEMPO visitou o local e, enquanto conversava com o cacique Glayson, uma moradora da comunidade comentou da janela de casa: "Está na hora de acabar com essa palhaçada", disse, referindo-se à luta pela demarcação das terras. Um outro senhor, também morador do local, intrometeu-se na conversa: "Dizem que a gente é índio, mas nunca teve índio aqui não", disse Altino Costa.

As características da comunidade lembram pouco uma aldeia indígena. As casas são de alvenaria com eletrodomésticos modernos, carros e motos nas garagens. Porém, a falta de características indígenas tradicionais não necessariamente evita o reconhecimento da tribo. Segundo a teoria da transfiguração étnica, de um dos maiores antropólogos brasileiros, Darcy Ribeiro, mesmo incluído na cultura do homem branco, o sentimento de pertencer a um povo específico é um dos sinais da sobrevivência do índio.

Uma das críticas no caso dos caxixós é que esse reconhecimento não foi algo natural, mas produzido a partir da década de 80 pelo cacique Djalma, primeiro a falar da tribo na comunidade, que, até então, desconhecia a descendência indígena. Antes de morrer, em 2011, ele conseguiu o reconhecimento da tribo pela Funai em 2001, o que garantiu a construção de um posto de saúde e de uma escola no local.

Preocupação. Desde o reconhecimento da tribo, as noites de sono do produtor rural José Maria da Costa, 67, têm sido mais curtas. O único bem que ele tem é a fazenda de 190 hectares. O fazendeiro diz que nunca morou na cidade e que depende da renda do leite. "A gente acorda e vai dormir pensando nesse problema. Não tenho condições de viver fora daqui. Só saio morto", afirma o fazendeiro, que mora na fazenda com a mulher e o único filho.







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